Marina, naturalmente
Marina da Silva não se pintou, nem foi pintada. Marina pintou: apareceu, surgiu. Natural e alternativa.
Respeito o pensamento de quem acha que a campanha de Marina não decolou ou de que foi um fracasso. Talvez não se tenha percebido que, ao contrário de muitos candidatos cônscio de não vencer (basta ver o resultado e as ‘coligações’ da eleição de 2002, 1998, 1994), Marina não se candidatou para ter uma votação expressiva a fim de estabelecer uma aliança (conluio?) no segundo turno e com isso apoiar alguém para garantir um ministério, muito menos se candidatou apenas com a finalidade de criar uma plataforma eleitoral para 2014.
Ela, militante, ecológica, esquerda rubra sem desbotos, tem um compromisso não só com os quase 20 milhões de cidadãos brasileiros que votaram nela, mas também com os outros que não votaram e independentemente de votação, tem compromisso, como foi citado, “com o grito da terra e dos pobres”. Duas coisas que não podem esperar. Muito menos esperar quatro anos. Como alguém comentou no site do Movimento Marina [www.movmarina.com.br], é necessário “incluir na pauta assuntos como sustentabilidade com desenvolvimento” responsável num país (acrescento aqui) cuja política tem sido (depois que Marina saiu do Ministério do Meio Ambiente) a de distribuição de licenças ambientais e de bolsas cujos valores ($$) terminam por voltar aos bolsos de quem tem o que vender.
Dizer que a votação expressiva de Marina se deu por uma estratégia do segundo colocado nas intenções de voto e nas eleições é, no mínimo, subestimar o pensamento crítico dos quase 20 milhões de brasileiros que votaram, não no Partido Verde, mas numa candidatura que levava uma proposta alternativa alicerçada em ideias de economia e ecologia plausíveis tanto para esta bilateralidade política quanto para os radicalismos tautológicos. Como ela mesma afirmou em seu pronunciamento no dia 03 de outubro (aliás, quando foi que vimos um terceiro colocado comemorar tanto?), sua candidatura e seu trabalho não acabaram com o término da apuração, pois representa uma audiência e uma voz, ora assumidos ou reafirmados.
Por tudo que disse nas eleições e tem dito depois, Marina não deixou que lhe pintassem “esse rosto que é só seu”. Ela, que já é bonita com a história Deus lhe deu, é certo que está mais longe de Serra que de Dilma, mas o problema é o quanto Dilma (ou as alas pseudo-esquerda do PT) está perto dos interesses capitalistas, das posturas adotadas por seus aliados, de uma já conhecida direita; basta ver as alianças.
Marina assinala “uma nova forma de fazer política”. Ao contrário do uso tradicional dos votos dados aos candidatos derrotados nas outras eleições, ela sabe usar esse capital eleitoral de forma mais política, para um debate de ideias e ideais, que politiqueira. Estávamos acostumados a ver no dia seguinte às eleições o terceiro, o quarto ou o quinto colocados de mãos dadas a um dos dois colocados no primeiro turno (em muitos estados brasileiros ainda é assim). Daí assistirmos a esse processo de loteamento político (de um ou de outro lado). Não é difícil imaginar que se Marina estivesse no segundo turno, Dilma e Serra no dia 04 de outubro estariam, em nome da governabilidade, posando de mãos dadas e erguidas.
Ao contrário desse e de outros eufemismos, não esperemos alguém que quer estar no poder a qualquer custo. Não esperemos o apoio em troca de cargos ou status. Esperemos alguém cujo apoio será dado ao candidato que assumir a inclusão de uma pauta exclusivamente a fim de ganhar votos e ser eleito, mas sim àquele que aceitar a pauta e a presença de pessoas que façam o compromisso assumido ser efetivamente cumprido. Caso contrário, os quase 20 milhões de brasileiros desejosos dessa pauta e devidamente representados, saberão agir.
Quem se habilita? Quem, de fato, cumprirá?
Abilio Pacheco, professor, escritor.
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